Antoine de Saint-Exupéry em Florianópolis

Não há provas, mas ninguém duvida. Uma escrivaninha gravada a canivete pelo escritor foi queimada. Mas as histórias de quem conviveu com ele continuam vivas.

Não há provas documentais de que Antoine de Saint-Exupéry esteve mesmo no Campeche, embora ninguém duvide disso. Ele próprio menciona a “escala Florianópolis” em um de seus livros, Vôo Noturno (página 64), embora não tenha escrito que pousava ali. Getúlio conta que Exupéry deixou grafados a canivete, em uma escrivaninha do campo de aviação, comentários sobre as más condições das pistas de pouso, acompanhados de assinatura. “Mas essa mesa acabou queimada pelo zelador do campo da Base Aérea de Forquilhinha (bairro continental para onde tinha sido enviada), que não sabia da sua importância”, lamenta. 

O bairro do Campeche, hoje com uma população fixa avaliada em 15 mil pessoas, quase não guarda vestígios físicos da passagem dos franceses. Mas o passado se faz presente em nomes como o do “Morro do Lampião”, herança das luzes dos franceses em frente ao “campo de aviação”, ainda chamado assim. O que sobrou da extensa área antigamente ocupada pelo aeródromo agora serve para jogar futebol e, durante a semana, alimentar gado. No mais, onde havia pistas de pouso e decolagem, há dezenas de casas e asfalto; onde ficava o hangar das aeronaves, funciona um grupo escolar. A “Casa do Rádio”, como era chamado o posto radiotelegráfico, não existe mais. 

A única coisa ainda de pé é o casarão onde os pilotos dormiam, que atualmente abriga o Conselho Comunitário do bairro. Também restam as lembranças dos mais antigos, que inspiraram homenagens a Saint-Exupéry e aos outros aviadores franceses. Entre elas, o nome de uma ruela de terra perdida no meio do bairro: “Aviação Francesa”. Outra é o marco de pedra colocado pela Associação dos Amigos da Base Aérea de Florianópolis (AABAF) em frente ao campo de aviação. Mas a maior delas é o nome da principal via de acesso ao Campeche: “Avenida Pequeno Príncipe”. 

O nome do bairro, que parece junção das palavras francesas “champ” (campo) e “pêche” (pesca), segundo Márcia não tem essa origem. Campeche, explica, é uma gramínea existente na ilha em frente, que sempre teve esse nome. Dona Chica confirma que a Ilha do Campeche já se chamava assim antes de os franceses (que aliás nunca pousaram lá, mesmo porque a ilha é pequena) chegarem. O Campeche propriamente dito era conhecido como “Pontal”. O que os franceses fizeram, conforme Dona Chica, foi estender o uso do nome ao lugar todo. 

Uma vida de amor ao risco 

Antoine de Saint-Exupéry, conhecido entre os amigos como “Saint-Ex”, foi um dos maiores escritores franceses e um dos pioneiros da aviação transcontinental. Nasceu em 29 de junho de 1900, em Lyon, no seio de uma empobrecida família aristocrática. Desde cedo sonhou com uma vida aventureira. Pretendia encontrar a emoção de que precisava tornando-se oficial da Marinha francesa, mas foi reprovado no exame de admissão. 

Felizmente para Saint-Exupéry, uma atividade à época bem mais perigosa do que navegar estava ao seu alcance – a aviação. Ele aprendeu a pilotar aviões enquanto prestava o serviço militar. Obteve o brevê em 1922 e ingressou na companhia aérea Latécoère em 1926. Durante os quatro anos que antecederam seu ingresso na Latécoère, ele aprendeu e exerceu a atividade de mecânico de aviões. Tornar-se mecânico era um passo quase sempre necessário para chegar a piloto. 

Depois de empregado pela companhia, Saint-Exupéry ajudou a estabelecer algumas das primeiras rotas regulares de correio aéreo ligando a Europa com a África e América do Sul. Por 12 anos executou perigosos vôos sobre o Mediterrâneo, o Saara, o oceano Atlântico, a Patagônia e os Andes, os três últimos quando levava o chamado “Correio do Sul”. Enfrentou vários acidentes e precisou fazer pousos forçados, principalmente no deserto do Saara, em diversas ocasiões. 

Exupéry encontrou na aviação um novo tema literário. Aventuras como passar dias no deserto por causa de um acidente, sem comida e água e sofrendo alucinações, ou conviver durante uma semana com beduínos, adotando integralmente seu estilo de vida, são descritas em Terra dos Homens (1939), o livro mais inspirado em suas próprias experiências. Esse e outros trabalhos também trazem reflexões acerca da condição humana, dos valores e dos modos de vida. É que o espírito de Exupéry também voava quando ele pilotava um avião. E a perspectiva que ele, do ar, adquiria da terra, colaborava para isso. 

Naquela época, os aviões passavam mais tempo rentes ao solo, pois os vôos eram executados praticamente na dependência exclusiva da habilidade dos pilotos, sem os sofisticados radares e aparelhos que os monitoram hoje em dia. Em Terra dos Homens, Saint-Exupéry menciona, entre seus pontos de referência de chegada a uma certa cidade, três laranjeiras alinhadas! Voar, nas décadas de 20 e 30, era bem diferente de agora. 

Em Vôo Noturno (1931), Exupéry enfatiza as vicissitudes dos primeiros vôos de longa distância realizados à noite. Sua descrição de uma tempestade que toma conta do trajeto do Correio da Patagônia alia lirismo a um certo suspense. A linguagem simples e poética, aliás, é uma característica do autor e perpassa toda a sua obra. 

Seu primeiro livro, Correio do Sul (1929), exalta o heroísmo de um dos pioneiros da aviação, Jacques Bernis, que morreu tentando cumprir sua missão. Piloto de Guerra (1942) reúne suas recordações sobre uma missão de reconhecimento executada durante a Segunda Guerra. 

O livro que tornou Saint-Exupéry mais famoso mundialmente, porém, não trata de aviação. O Pequeno Príncipe (1943) é uma fábula infantil para gente de todas as idades. Tenta mostrar que as melhores coisas da vida ainda são as mais simples, como a amizade. 

O Pequeno Príncipe foi escrito e publicado em Nova York, para onde Saint-Exupéry decidira se mudar depois da ocupação da França pelos nazistas, em 1939. Em 1942, ele uniu-se a tropas norte-americanas que se instalaram no norte da África para combater os alemães. Candidatou-se voluntariamente a piloto de guerra, mas, aos 42 anos, foi considerado muito velho para a tarefa. Contudo, Exupéry não desistiu. Ele correra perigo a vida inteira e tinha sentimentos nacionalistas. Insistiu para que o deixassem voar. Acabou conseguindo. Durante dois anos, executou muitas missões sobre a França ocupada. 

Em 31 de julho de 1944, porém, Exupéry não voltou de um vôo de reconhecimento no sudeste da França. Seu pequeno avião de dois lugares, um P38, nunca retornou à base do exército aliado. O fato de que foi abatido por baterias antiaéreas alemãs só foi definitivamente confirmado em 1998, quando restos do aparelho foram encontrados por um pescador. Junto aos destroços, havia também uma pulseira de prata com o nome do escritor e o de sua esposa, Consuelo. 

Entre as obras de Exupéry publicadas postumamente destaca-se Cidadela (1948), em que é possível perceber o crescente pessimismo do autor em relação ao ser humano. 



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