Primeiro vôo solo
Não se trata neste momento de emoções renovadas, pois esta é uma sensação nova, que se multiplica a cada instante, invade o corpo, uma corrente que eleva a gente e prende a um estado de espírito quase indefinível.
É bom sentir-se dono do mundo, dono do meu orgulho de ser capaz, sentir que a vida é minha, pois sei eu tentei e esta é a minha realização, o meu prêmio. Nem passados nem futuro, apenas saborear o momento a bordo de um singelo "teco-teco" como vocês gostam de chamar. Se vocês pudessem me ouvir neste momento eu diria - Olhem para cima. É apenas um "teco-teco", eu sei. Porém neste momento ele é um universo, pelo qual venço barreiras. Através desta dimensão a qual vivo agora, domino as leis físicas, irreversíveis, que os mantêm andando pelas calçadas, magnetizados ao solo. Me sinto tão seguro quanto vocês, o mais importante: estou fazendo isto sozinho, sem ajuda de ninguém.
É esse sentimento infantil que me delicia e traz de volta os tempos em que de calças curtas, me aventurava por caminhos até então desconhecidos, com uma ponta de bravura desnecessária.
Sou novamente criança e os caminhos nesse oceano infinito, são também infinitos. Aqui eu ordeno - Agora aviãozinho, você me levará ao aeroporto.
Sei que haverá platéia, então o pouso terá que ser perfeito. Pelo menos a aproximação está mais que razoável. É como que escorregar por uma rampa invisível mas retilínea.
Um leve toque no asfalto e tudo termina. Já sinto que não flutuo mais, meus pensamentos também não. O contato com o solo desfaz a corrente de embriagues que domina os sentimentos. É como uma válvula que se fecha.
Após o banho de lama, tributo pago pelo primeiro vôo, o copo de aguardente vem parar na minha mão.
Meneio a cabeça, mas a insistência é total.
Porque não - Afinal já fazem dezessete anos, e há sempre uma primeira vez para tudo!
José Eduardo Dippolito