Meu Segundo Vôo Solo

     Tarde de domingo, céu limpo, a temperatura estava um pouco baixa caracterizando uma tarde de primavera e eu ainda não havia me livrado daquele mal estar que a gente sente lá não sei aonde quando vai fazer seu "primeiro segundo vôo".

     O primeiro tinha sido um sucesso! Fiz um vôo solo tranqüilo, tudo quadradinho, foi perfeito e também muito emocionante. O segundo também vinha se transcorrendo uma beleza, decolagem tranqüila, reboque sem sobressaltos, e o planeio estável próprio de uma tarde fria! Estava me aproximando para iniciar as curvas de espera quando recebi mensagem pelo rádio, dada por meu instrutor que seria preferível que eu fizesse o pouso pela cabeceira "uno uno" já que havia um certo ventinho, coisa a toa para alguém com prática, favorecendo o pouso por esta cabeceira.

     "Cabeceira uno uno" era a senha para o início de una tremedeirinha que começava sem que a gente percebesse, saindo lá não sei de onde e percorrendo todo o corpo já começava a fazer com que a minha concentração caísse para níveis perigosos.

     Entrei nas curvas de espera já meio preocupado, cabeceira uno uno... aqueles telhados tão pertinho... e os postes! Sem contar com toda aquela platéia que ficava bem em frente, na porta do hangar dando notas aos pousos e decolagens como autênticos jurados de programa de calouros, aqueles feitos para se tirar um sarro nos pobres coitados ,candidatos a cantores. Cabeceira uno uno...por que este ventinho tinha que aparecer justo agora ?

     Os problemas iam aparecendo em seqüência, primeiro: cabeceira uno uno, tudo bem... já havia pousado nela algumas vezes (é, mas com o instrutor), ventinho safado deformando as minhas curvas de espera, e ainda tinha que fazer a fonia! Aí já era demais! Não, não era. Ainda haviam os jurados que agora julgavam também a minha voz que a esta altura já devia estar bem trêmula!

     Sai das curvas de espera para a perna do vento como um sabonete atirado em chão molhado, liso liso! Mal tinha acabado de ajeitar o rádio usado a instantes na saída das curvas já estava praticamente no ponto de virada para a perna base. Eu deveria ter me afastado mais para a direita para poder fazer uma tomada mais "quadrada" que seria mais seguro devido a minha farta (aonde há um r, lê-se l) experiência, mas ...deu tempo? Que nada, o vento me levava rápido para longe da pista.

     Lá embaixo o meu instrutor em meio aos jurados, garganteava: olhem lá ! Ai vem o meu primeiro aluno! Dêem só uma manjada no pouso! O cara é bom.... .Nem tanto... No cockpit eu suava por todos os poros! Foi quando fiz a curva para a entrada na perna base, (derrapando é claro!). Passei do alinhamento da pista devido a embarrigada , tendo que fechar bem a curva para retornar ao alinhamento. Como ainda tinha receio de usar os freios em curva, esperei até que o planador se encontrasse alinhado para fazê-lo. Isto se deu praticamente em cima da cabeceira. E foi neste ponto que eu percebi também que a minha velocidade estava "ligeiramente" disparada! Raciocinei rápido! Cabrar! Cabrar ! O problema é que a essa altura (falando em tempo) o meu cérebro só conseguia comandar um braço de cada vez e foi por isso que eu ataquei no profundor sem ainda ter aberto os freios. Já viram no que deu? Fui às alturas; literalmente. Minha nossa... os jurados ficaram pequenininhos de repente! Lá no solo já se pensava: bom... ele deve dar uma chegadinha no Tietê depois pousa!!! E eu suando finalmente abri os freios. Será que vai dar? Não tinha certeza! Meu cérebro ainda funcionava e gritou logo: glissa, glissa, tá bom; respondi, mas... como é que se faz isso mesmo? Não seria saudável tentar lembrar agora. Foi quando percebi que o ângulo de planeio iria me colocar no meio da pista e que então teria espaço para parar antes da cabeceira oposta, isto se o freio de roda funcionasse! Não funcionou! Pequei o decidão num embalo que a única coisa que desejei naquela hora é que o pneu furasse e que a pista tivesse uma subida de uns 30 graus!!! Tirei o danado do cascalho, jaquei na grama e que nada a carreira não "minguava" de jeito nenhum! Tive a impressão que na pista de aeromodelos, por onde passei lotado, já se faziam apostas: vai parar! não vai! ... ele pula o barranco! Será ? Mas por fim o mesmo ventinho que me atazanou a vida até então, talvez achando que tinha exagerado na dose, resolveu me ajudar imprimindo força de reação suficiente para fazer parar aquela coizinha leve que é o Nhapecan II.

     Retornei aos hangares, depois de me refazer um pouco, agora já com aquele ar de "vocês viram como se faz um pouso curto?"!!! Alguns dos jurados até engoliram, mas como sempre, um estraga prazeres sussurrou lá no meio: fez bem ! Só que fez ao contrário!



Chico Figueira

 

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