Gelo no carburador?

    È verdade que o Rio Grande do Sul ainda sofria influência da frente fria que castigou seu solo durante toda a noite, mas agora o termômetro de meu Cessna 182 indicava uma temperatura do ar externo de 12°C, a uma altitude de 6500 pés.

    Apesar da existência de umas poucas nuvens "stratus" aqui e acolá, o céu estava limpo, fazendo com que meu avião deslizasse suavemente pelo ar estável dentro do qual nos encontravamos. Como é, então, que poderia suspeitar de gelo no carburador? Afinal de contas, esta possibilidade não é real somente com temperaturas abaixo de 0°C? Errado, totalmente errado!

    Na verdade, dias secos ou dias em que a temperatura se situe acima de aproximadamente -5ºC são os que menos proporcionam a possibilidade de ocorrência de gelo no carburador. Entretanto, quando a temperatura se situa entre -5ºC e 20°C, em conjunto com umidade visível, a formação de gelo no carburador tem sua probabilidade de ocorrência bastante aumentada.

    Isto ocorre porque a vaporização do combustível, em conjunto com o aumento da velocidade imposta ao fluxo de ar quando passa pelo carburador, causa uma queda acentuada na temperatura da mistura ar-combustível. Porém, se o ar já se encontra demasiadamente frio, a existência de vapor de água torna-se pouco provável e, sem umidade, não há formação de gelo.

    Mas o fato é que nada disso passou pela minha cabeça, a não ser um medo terrível de ver a hélice parada em minha frente quando o motor começou a "ratear" loucamente. Imediatamente "enriqueci" a mistura, pensando que ela estava muito "pobre" (muito ar e pouco combustível), mas o resultado foi decepcionante. O motor passou a "tossir" violentamente, a ponto de eu pensar que ia sair de seu berço (estrutura que prende o motor ao avião). Reduzi a potência e ele se acalmou um pouco, mas sabia que esta medida era totalmente paliativa pois, sem potência, o avião fatalmente teria que descer e, imaginá-lo todo danificado após uma colisão com o solo não era um pensamento nada animador.

    Durante a descida, esforcei-me em relembrar as medidas estabelecidas para estas ocasiões e, de repente, veio à minha mente: aquecimento do carburador! Mas não pode ser, pensei. Afinal, a temperatura não está tão baixa! Bem, não custava tentar e, após alguns momentos angustiantes, ele ressuscitou forte e firme.

    Não conseguia atinar direito com o que estava acontecendo e, somente após o pouso e já confortavelmente instalado na poltrona de meu escritório é que pude repassar o ocorrido e estuda-lo repetidamente até entender e aceitar minha terrível falha.

    Aprendi, então, que a aviação pode, às vezes ser totalmente imprevisível, mas na maioria das ocasiões, nós pilotos é que estamos despreparados para lidar com todas as suas exigências.

Cláudio V. Andrade

 

<< voltar