ESTE AR QUE RESPIRAMOS, E NO QUAL VOAMOS!

    "ATMÓS", o ar e a atmosfera.

Os gregos, com seu conhecimento intuitivo definiam o ar como um dos quatro elementos que, junto com a terra, a água, e o fogo, compunham toda a natureza, e foi só recentemente, com o estudo das propriedades especiais dos gases em altíssimas temperaturas, é que a ciência lhes deu razão, acrescentando aos estados: sólido, liquido, e gasoso, o plasma, como quarto estado da matéria.

Aos gregos também, devemos as raízes da palavra atmosfera, que usamos para designar esta camada gasosa que envolve o nosso planeta e os nossos corpos; ou seja, o ar que respiramos. Ao respirá-lo sentimos apenas que ele é tênue, suave, inodoro, e a primeira vistam incolor. Será que estamos certos? Apenas em parte. Realmente nossas células olfativas não foram feitas para senti-lo, pois do contrario o seu cheiro seria predominante em tudo.

Assim, o ar é inodoro. para nós, e provavelmente para todos os demais seres aeróbios que o respiram para poder viver. Quanto ao resto estamos redondamente enganados.

Então o ar tem cor? Sim, basta observarmos, que as montanhas no horizonte são tanto mais azuis quanto mais distantes, ou então basta olharmos para cima, que veremos o azul celeste em todo o seu esplendor. Este azul, que aos poucos irá se escurecendo até se tornar negro como a noite, quando saímos da atmosfera a bordo de um foguete, deixando para trás, esta grande esfera azul, que inspirou Caetano Veloso a compor "Terra", ao ver as primeiras fotos tiradas pelos astronautas.

Nestas predomina o azul escuro dos oceanos e o branco das nuvens, mal se podendo notar o marrom dos continentes, mas se observarmos bem, poderemos ver nas bordas iluminadas da terra, um fino traço azul claro contrastando com o negro do espaço sideral. É ela, a atmosfera, esta fina e tênue camada gasosa formada basicamente por: nitrogênio (78%) e oxigênio (20%), pois dos demais gases, somente o vapor d'água merece alguma menção, nos locais quentes e úmidos.

Fina? Sim. 90% da atmosfera estão contidos nos primeiros 16 Km de altitude, o que comparado aos 12 000 Km do diâmetro da terra é quase nada. E tênue? Será? Depende.

Em repouso o ar pode até ser considerado tênue, mas em movimento vai deixando de sê-lo... A 100 Km/h, já irá exercer uma força de 48 Kgf sobre cada metro quadrado de superfície, que colocarmos tentando barrar o seu movimento (Obs: O leitor menos versado em sistemas de unidades físicas leia Kgf como Quilo, e estamos conversados) A 200 Km/h esta força já será de 193 Kgf., e será multiplicada por quatro a cada vez que dobrarmos a velocidade!

Ao atingirmos 1200 Km/h veremos este ar aparentemente tênue, tornar-se quase que numa parede sólida. É o fenômeno batizado na década de 40 como a "barreira do som", tão temida pelos primeiros pilotos que tentaram dela se aproximar!

Para entendermos como isto acontece precisaremos conhecer mais intimamente este grande companheiro de nossos vôos, mas põe intimidade nisto, é preciso entrar em sua "alma"! Vamos pegar um pequeno cubinho de ar de 1 mm de lado, e ampliar 10000000 de vezes! Pô meu, dez milhões de vezes, mas que exagero! É isso mesmo, pois agora passaremos a medir as coisas não em milímetros, mas em angstrons.

O que é isso? Um angstrons representa uma distancia ínfima, tão ínfima que num milímetro cabem dez milhões deles. E a primeira coisa que iremos encontrar em nosso cubinho de ar ampliado é ....pasmem senhores: um grande vazio! Mas não é só vazio é claro. Em média a cada 30 angstrons vamos encontrar bolinhas duplas com a forma aproximada de um halteres, que são as moléculas os gases que compõem o ar e que no caso do Nitrogênio pôr exemplo medem 4 Angstrons.

Um fato que dá uma idéia de como as moléculas são pequenas, é que existem mais moléculas de ar dentro dos nossos pulmões do que de litros de ar em toda a atmosfera terrestre. Isto permite afirmar, entre outras coisas, que dentro dos pulmões do leitor existe com certeza pelo menos uma molécula de nitrogênio que também já foi respirada pelo faraó Tutankamom durante sua curta vida no antigo Egito! (certeza estatística baseada nas leis de difusão de gases e no tempo decorrido)

Mas voltando ao nosso exame, vamos constatar que estas moléculas não estão paradas, mas sim se movendo todas desordenadamente em todas as direções possíveis, e chocando-se uma com as outras (um choque em média após cada 600 Angstrons percorridos). Algumas estão quase que paradas enquanto que outras, deslocam-se por exemplo com a velocidade de 3000 Km/h!

Já a velocidade resultante, ou média de todas elas, será, por exemplo, zero para o ar em repouso dentro de uma sala, ou de 18 Km/h na direção horizontal e sentido sul para um vento Norte de 10 nós, e assim por diante. Isto se considerarmos nesta média, não só os valores mas também as direções e sentidos destas velocidades. Mas se nesta média, considerarmos apenas os valores destas velocidades, obteremos em ambos os casos acima, o valor de 1800 Km/h (média quadrática). Finalmente a média dos valores, das velocidades projetadas numa direção, e tomados num único sentido, será da ordem de 1224 Km/h.

Esta não é a velocidade do som? Sim. Qualquer perturbação no ar, só se propaga por meio de choques entre suas moléculas e, portanto esta será a velocidade de sua propagação, e o som nada mais é que uma perturbação repetida numa certa freqüência.Nos não podemos ver as ondas sonoras no ar, mas elas se espalham de modo muito parecido com as ondas formadas numa superfície de água calma quando a perturbamos atirando uma pedra.

E tal como um barco ao se deslocar mais rápido do que a velocidade de propagação destas ondas, as empilha na proa deixando para traz um "V" de marola, assim também um objeto deslocando-se a velocidade acima da velocidade do som, deixa para trás de si um cone de onda de choque. E como a marola de um barco, que é tanto maior quanto maior for o mesmo e mais veloz e mais perto ele passar, assim também, o "bang" produzido no solo pôr um avião supersônico será tanto maior quanto maior e mais veloz for o avião e mais baixo ele passar, podendo até mesmo estilhaçar vidraças.

Os valores até aqui mencionados de distancias e velocidades valem para o ar a uma temperatura de 15 graus C e ao nível do mar onde o ar é mais denso pressionado pelo seu próprio peso. A medida que vamos subindo em altitude o ar vai ficando cada vez mais rarefeito, ou seja teremos menos moléculas pôr unidade de volume. A 4000 metros de altitude o número de moléculas de oxigênio, embora continue a ser os mesmos 20% do total, como no nível do mar, já começa a ser insuficiente para o funcionamento correto de nossos pulmões.Daí a necessidade de se aumentar o seu número, seja com o uso de máscaras com oxigênio, ou seja aumentando a pressão ambiente, ou pressurização.

Acima de 15000 m, o número de moléculas cai tanto que até mesmo as existentes em forma líquida em nosso corpo começam a evaporar e a ocupar os vazios, sendo então, absolutamente necessária a pressurização da cabina.Mas mesmo lá onde orbitam os satélites artificiais, iremos encontrar moléculas desgarradas de nossa atmosfera.

Coitadinhas, estão tão isoladas, que na altura de 400 Km, por exemplo, irão somente se chocar a cada 10 quilômetros percorridos, o que é muito para quem estava acostumado a encontrar-se caminhando apenas alguns Angstrons. Apesar de poucas, são elas que, ajudadas por partículas atômicas emitidas pelo sol, são as responsáveis com os seus choques, pela redução gradativa da velocidade dos satélites de órbita "baixa", trazendo-os de volta à terra inexoravelmente.

Desde a antigüidade o homem notando a "força" do ar em movimento, mesmo ainda sem compreende-la devidamente, colocou-a a seu serviço construindo moinhos de vento, barcos a vela, etc. Mas, só bem mais tarde no século XVIII usando os primeiros conhecimentos já obtidos pôr Torricelli no século XVI, o ar foi usado para vencer a atração da gravidade, fazendo subir os primeiros balões.

Já a natureza nunca se fez de rogada para, usando e abusando do ar como aliado, obter desde o transporte aéreo de sementes como as da paineira, como também a locomoção animal inaugurada pelos insetos primitivos, e seguida por animais vertebrados, os pterosauros, estes já ha 200 milhões de anos! E observando a natureza e os pássaros o homem, este eterno invejoso, decidiu que poderia também voar, o que hoje fazemos das mais diferentes estranhas maneiras em: balões, asas deltas, para-gliders, "trikes", planadores, aviões, helicópteros e foguetes.

Hoje também, já pudemos elaborar as ciências chamadas aerostática e aerodinâmica, das quais iremos abordar, de modo simplificado alguns conceitos básicos, aproveitando-se do nosso conhecimento "íntimo" do ar.

   "BARYS", flutuando no ar.

Um primeiro princípio básico a ser retido é que toda força exercida pelo ar sobre qualquer corpo nele imerso, decorre única e exclusivamente dos choques de suas moléculas contra as superfícies externas ou internas deste corpo. Uma conseqüência deste princípio é que todas estas forças sejam elas aerodinâmicas ou aerostática e não importando se as chamemos de Sustentação, Empuxo, Arrasto, etc. irão depender apenas da quantidade de moléculas e das velocidades do choque entre estas e as superfícies de um corpo, esteja este ou o ar em repouso ou em movimento.

Todas estas forças estão aplicadas, portanto na superfície do corpo, e podem ser reduzidas a apenas duas componentes: uma perpendicular à superfície gerando o que chamamos de pressão e outra paralela à superfície gerando o que chamamos de fricção. Aperte uma mão contra a outra e você sentirá o que é pressão, esfregue uma mão contra a outra e você sentirá o que é a fricção.Simples assim? Sim. Tudo o mais, é uma mera questão de dar nomes diferentes para bois que são de apenas duas raças, ou seja: zebus, ou holandeses.

Ah mas e aquele tal de "arrasto induzido"? Calma, chegaremos lá. Comecemos pelas forças de pressão exercidas pelo ar..."parado"! Já vimos que as moléculas do ar nunca param, e se não sentimos a sua pressão é porque elas nos bombardeiam por todos os lados igualmente.

Tampe a boca com a palma da mão e aspire parte do ar da boca para os pulmões. Você terá mais moléculas de ar se chocando pelo lado de fora do que pelo lado de dentro de sua mão que será então pressionada (ou chupada) por uma força de fora para dentro. Se conseguíssemos aspirar todas as moléculas de dentro da boca (nossos músculos do tórax estão muito longe desta façanha)esta força seria, ao nível do mar e a 15 graus, de 1 Kgf por cada centímetro quadrado, ou seja de 10140 Kgf por metro quadrado que é a pressão, que chamamos de um "bar" ou de uma atmosfera.

Como vimos, o número de moléculas cai com a altitude e, portanto o mesmo irá ocorrer com esta pressão do ar mesmo para pequenas variações de altitude. Assim, em qualquer corpo a pressão atmosférica sobre a superfície de baixo será sempre maior do que a pressão na superfície de cima e haverá sempre uma força ainda que pequena, proporcional ao volume do corpo empurrando-o para cima, levemente.

Se tomarmos, por exemplo, um corpo bem leve como uma bola bexiga cheia de ar, por que então ela não sobe? Porque esta força para cima é exatamente igual ao peso das moléculas de ar que estão dentro da bexiga e assim, devido ao peso adicional da borracha, a bexiga cai. (este mesmo peso de ar faz com que a pressão interna também seja maior na superfície inferior do que na superior anulando a força externa)

Se substituirmos as moléculas de ar dentro da bexiga por moléculas de hidrogênio ou hélio, que são mais leves que as de nitrogênio e de oxigênio, a soma do peso do gás interno (ou da diferença de pressão interna) com o peso da bexiga será menor que o empuxo atmosférico, e então a bexiga irá subir, e muito, para desespero do guri que não segurar o barbante.

Aquecendo-se o ar, ou seja, fornecendo-lhe energia, aumentamos as velocidades de suas moléculas e o impacto dos choques entre elas fica mais forte, afastando-as uma das outras de modo que, teremos menos moléculas por unidade de volume ou seja o ar fica mais "leve" ou menos denso. É o que fazemos nos balões de ar quente, e tal como no caso da bexiga reduzimos o peso do ar interno, para que o balão suba, empurrado pela diferença das pressões externas..

   "DYNAMIS", o ar em movimento.

Agora que já temos alguma idéia sobre as forças do ar em repouso, vamos procurar entender o que acontece com ele em movimento, ou quando nele nos movimentamos, o que como já vimos, dá na mesma coisa. Os livros de aerodinâmica e os cientistas, por usarem túneis de vento para neles verificarem suas teorias, consideram quase sempre os corpos parados e o ar em movimento.

Já para nós que somos pilotos, ficará talvez mais fácil abordarmos as coisas do ponto de vista inverso, ou seja, nós é que nos movimentamos no ar parado, ou quase...(desprezando a velocidade do vento e da turbulência) Para isto, o melhor que fazemos é esquecer o ar real com suas moléculas e considerar um ar teórico formado por "partículas" de ar muito pequenas, mas suficientemente grandes para conter milhões de moléculas. Assim fazendo poderemos, "esquecer" as velocidades individuais das moléculas e considerar apenas aquele valor médio estatístico (em valor, direção e sentido) das partículas e que chamaremos simplesmente de velocidade do ar.

Isto não é difícil, porque também as células nervosas de nossa pele, sendo muito maiores que as moléculas de ar, não nos transmitem os impactos das moléculas "reais", mas apenas a média dos seus efeitos em cada célula, ou seja, o que sentimos é o impacto das partículas, que são "irreais"! Bah tchê!

E é bom que não esqueçamos disso, pois muitos livros tratam as partículas de ar como entes físicos...reais! Enfim, já vi livros que afirmam que o arrasto induzido é resultado da energia gasta pelos vórtices de ponta de asa! Isto, para não falar nas "barbaridades" contidas na descrição que algumas enciclopédias (algumas até recentes) fazem do vôo de um avião.

O fundamental em aerodinâmica é que: a toda e qualquer variação de velocidades das partículas de ar (ou seja, da media das velocidades moleculares) provocada por um corpo, corresponderá sempre uma força exercida pelo ar sobre este corpo na direção e sentido opostos a esta variação e... vice e versa.

Complicado? Certamente não. Isto é simplesmente outra maneira de se enunciar um dos princípios básicos da física, de que a toda ação corresponde uma reação igual e contraria, e que como veremos adiante, irá tornar mais claro os fenômenos ligados ao vôo.

É importante notar que a mesma força aerodinâmica poderá ser tanto obtida deslocando-se um pequeno volume (quantidade) de ar com velocidades altas, quanto deslocando-se um grande volume de ar com velocidades baixas. Mas apesar da força obtida ser a mesma, menores volumes e maiores velocidades irão exigir maiores potências, como já pudemos sentir nas pernas, ao empurrar um carro sem bateria para que pegue. A potência exigida pela aplicação de uma força é proporcional à velocidade desta aplicação.

E, muito cuidado, já nos alertava nos idos de 58 no ITA, "Herr" Schrenk, nosso mestre alemão, aos nos iniciar nas sutilezas da aerodinâmica: "pois FFFFFF" fazia assoprando o ar, "é muito diferente de "HSHSHS", fazia, desta vez chupando o ar. Realmente, assoprando criamos um jato cilíndrico de ar, com o qual podemos apagar um fósforo aceso mesmo a uma distancia de 30 cm. Já ao aspirarmos, mesmo com os lábios fazendo "biquinho", o ar penetra vindo de todas as direções, e este movimento, somente poderá ser observado a curta distancia, tão curta que para faze-lo é mais prudente, trocar o fósforo aceso, pela ponta de um dedo....

   "RASTRUM", enfrentando o vento.

Vamos em frente, coloquemos a mão espalmada para fora de um carro rodando a 100 Km/h (nunca esquecer de antes, checar o retrovisor) e o esforço para mante-la nesta posição será o equivalente a segurar um saco de ½ Kg de pó de café.

Poderíamos imaginar que as velocidades médias de impacto das moléculas contra as superfícies seriam modificadas na direção do movimento do carro de 1240 Km/h para 1340 Km/h na superfície dianteira e para 1140 Km/h na traseira e isto explicaria a diferença de pressão e a força que sentimos. Certo? Errado! As velocidades médias de choque na direção perpendicular a ambas as superfícies da mão continua a ser de 1240 Km/h.

O efeito destes choques se propaga nessa velocidade em todas as direções alterando as velocidades das partículas já antes que sejam atingidas pela mão, mas tal como no caso do ar aspirado, estes efeitos afetam apenas partículas a distancias relativamente pequenas. Estas se acumulam na face dianteira aumentando aí o número de moléculas e de choques, e em conseqüência a pressão, de modo especial no centro, onde ocorre o maior acúmulo.

A 100 km/h este acúmulo é de apenas 5%, mas já resulta nos 48 Kgf/m2.

Do centro as partículas se deslocam lateralmente escapando pelas bordas, e aquelas que adquirirão a velocidade da mão, são como que "arrastadas" por ela, e passam a acompanhar a face traseira, mantendo assim sobre esta, inalterados tanto o número de moléculas como a pressão. Na fronteira da região contendo as partículas "arrastadas" e o fluxo externo formam-se redemoinhos (ou vórtices).

Esta força que sentimos na mão, e é chamada de arrasto de pressão, e decorre, portanto, apenas do aumento de pressão em sua face dianteira.Confirmando a lei da ação e reação tem sentido oposto a variação de velocidade das partículas aceleradas para frente ou arrastadas.

Na água mais uma vez, fica mais fácil visualizar tudo isto. Deslocando-se um remo, na frente deste, o aumento de pressão é evidenciado por uma ligeira elevação de nível, e atrás, vemos a "água morta", que acompanha o movimento do remo margeado por redemoinhos. Observando melhor o nível d'água no centro dos redemoinhos podemos observar que ele é ligeiramente rebaixado, indicando uma queda de pressão, bem localizada. Isto também é valido para os centros dos vórtices aéreos, inclusive para os grandes vórtices atmosféricos, que são os tornados e os furacões em cujos centros (ou "olho" nos furacões), os barômetros despencam.

Voltando ao remo, este tal como as roda d'água, as velas do tipo "buja", as asas dos insetos, etc. são mecanismos que usam a força de arrasto como meio de propulsão. Como a propulsão usando outro tipo de força aerodinâmica que veremos mais adiante, a "sustentação", é muito mais eficiente, normalmente o que se procura no projeto de veículos, é a redução máxima possível do arrasto de pressão.

Basta observar o movimento da vegetação na beira da estrada, após a passagem de um caminhão do tipo baú, para se ter uma idéia do enorme desperdício de energia e combustível, causado pelo arrasto de pressão destes dinossauros modernos. Nos carros, já se consegue uma boa redução de arrasto de pressão, com o uso de dianteiras em formas de cunha, mas para se obter uma redução radical, seria necessário o uso de formas alongadas, como as dadas para os dirigíveis e fuselagens dos aviões.

Com estas, é possível se obter um aumento de pressão também na parte traseira do corpo, compensando-se o aumento na parte dianteira inevitável por mais pontiaguda que esta seja, e assim podendo-se chegar a valores ínfimos de arrasto de pressão. Outra alternativa seria apelar-se para uma redução de área frontal, e voltando-se ao exemplo de nossa mão, basta gira-la de 90 graus, de modo à "cortar" o vento para sentirmos de pronto uma redução drástica no arrasto.

   "FRICTION", deslizando no ar.

Mas mesmo para uma chapa muito fina e alinhada com o vento e tendo, portanto um arrasto de pressão praticamente nulo, iremos detectar em sua esteira, uma fina camada de partículas arrastadas na direção do seu movimento e indicativas de uma força se opondo ao mesmo, ou seja, uma força de arrasto.

Esta força é o que chamamos de arrasto de fricção e resulta das componentes de força paralelas à superfície, devido aos choques das moléculas com a superfície externa do corpo. Ela será, portanto tanto maior quanto maior for a superfície em contato com o ar e quanto maiores forem as velocidades tangenciais das partículas junto a superfície.

Observando seja a fumaça de um cigarro ou a coluna de água escorrendo de uma torneira (de baixa pressão) iremos verificar que até uma certa distância da origem, o fluxo é contínuo e suave mas que a partir de um certo ponto, aparecem oscilações e pequenos redemoinhos que vão se ampliando Assim também, as partículas de ar arrastadas por fricção, formam junto a superfície, inicialmente um fluxo suave e em lâminas, denominado laminar, e posteriormente com micro turbilhões ou fluxo turbulento.

Logo no início, na região laminar, a fricção que é muito alta, cai rapidamente, pois junto à superfície acumula-se um número cada vez maior de partículas "arrastadas" reduzindo as velocidades tangenciais de choque. Mas tão logo aparecem os micro turbilhões, estas partículas são afastadas da parede e substituídas por outras ainda não arrastadas, elevando novamente o valor da fricção, que agora pelo mesmo motivo, passa a cair de modo muito mais lento. O resultado é que a fricção total na região laminar é muito menor do que na turbulenta, e por este motivo se procura retardar o aparecimento da turbulência tanto quanto possível.

Quanto maior for o comprimento e a velocidade da superfície, ou seja, a escala do movimento que é representada por aquele número mágico que você já deve certamente ter ouvido falar: o "número de Reynolds", mais cedo tenderão a aparecer os micro turbilhões. Nas asas estreitas dos planadores, pode-se obter, escoamentos laminares se estendendo do bordo de ataque até o meio ou 50% da superfície superior, e até 75% de sua superfície inferior, desde que se usem perfis especiais e bom acabamento superficial.

Em aviões esta porcentagem de escoamento laminar, na atitude de vôo de cruzeiro não costuma ultrapassar os 15 a 25% para asas de construção convencional e 35 a 40 % nas construídas em material composto e empregando os chamados perfis laminares, inaugurados pelo P-51 "Mustang", um dos melhores aviões de "caça" da II guerra.

Nos jatos, as pesquisas prosseguem para se tentar estender a laminaridade além dos 5 a 10%, mas está difícil, pois até mesmo em velocidades mais baixas o escoamento laminar é instável como o humor feminino "naqueles dias". Insetos, cabeças de rebites, juntas, ondulações, etc., podem antecipar a formação dos micros turbilhões, e por isso devem ser evitados nas superfícies dianteiras ou bordos de ataque das asas, empenagens e hélices.

Estas devem, portanto ser mantidas o mais limpo e livres de defeitos quanto possível mas na verdade, para um desempenho otimizado, este mesmo cuidado é válido para todas as superfícies restantes. Isto porque o arrasto provocado individualmente por cada excrescência é até maior na região de fluxo turbulento onde as velocidades próximas a superfície são maiores!

Ah, e o arrasto induzido? Vamos com calma, que chegaremos lá, pois antes vamos responder a uma pergunta que é tão comum quanto mal respondida.

   "SUSTENTATIO", decolando afinal!

E porque é que, ou como é que, um avião sendo mais pesado que o ar, pode voar? Quem de nós pilotos já não passou por essa sabatina?

A explicação convencional começa pela descrição de que a parte de cima da asa é curva, a de baixo é reta e ai a velocidade em cima tem que ser...maior, e sendo maior, de acordo com a lei de Bernoulli, a pressão é menor, blá, blá, blá.... Arreh! Assim não dá! Esta resposta não só é complicada como diz apenas parte da verdade, pois pode-se voar perfeitamente com uma asa plana, seja com uma pipa, ou com um aeromodelo de balsa. Ela também não explica como voam os aviões com asas de perfil simétrico como um B-17, ou um "Sukhoy" acrobático!

Podemos, isto sim, usando o princípio de ação e reação, e o seu já visto equivalente aerodinâmico que relaciona forças às velocidades induzidas no ar, dar a resposta mais inteligível, simples, e correta que conheço, que é a seguinte: A hélice acionada pelo motor, devido ao ângulo de suas pás, joga ar para trás e assim empurra o avião para a frente. Com este movimento a asa, devido ao seu ângulo de ataque (e ou curvatura), joga para baixo uma grande quantidade de ar e isto empurra o avião para cima.

Podemos facilmente notar o fluxo de ar lançado para trás por uma hélice ou por uma turbina a jato, pelos chapéus arrancados ou pela poeira levantada, pois as velocidades envolvidas são elevadas. Da ordem 100 Km/h para as hélices chegando aos 1000 Km/h para os jatos podendo mesmo ser supersônicas no caso dos reatores de aviões militares.

Bem mais difícil é percebermos o fluxo de ar lançado para baixo pela asa, pois este se distribui ao longo de toda a superfície por ela sobrevoada em seu movimento para frente e as velocidades envolvidas são muito menores. Mesmo na decolagem de um Boeing 737, o "down-wash" ou velocidade vertical do ar em sua "esteira" é da ordem de apenas 10 m/s (36 Km/h), e na de um Paulistinha é de 4 m/s. A asa de 15 m de um planador de 300 Kgf. voando a 75 Km/h, produz um mero sopro descendente de 0,7 m/s. Quanto maior a velocidade e maior a envergadura maior quantidade de ar é posta em movimento e menor a velocidade vertical necessária para se obter a mesma força de sustentação.

Na fronteira entre o ar descendente e o ar não perturbado formam-se dois redemoinhos, mais conhecidos como os vórtices de ponta de asa, que são tão mais violentos quanto maiores as velocidades verticais geradas pela asa. Sempre que vou para o Rio de avião comercial procuro um lugar com vista para o bordo de fuga da asa, e quase sempre sou brindado no pouso, com a visão de uma trança de "fumaça" branca se enrolando e descendo a partir da ponta externa do flape todo defletido. É o vapor d'água do ar úmido, típico de beira mar que se condensa devido a baixa pressão no interior dos dois vórtices criados pela diferença de velocidade vertical, que existe entre as regiões da asa com flape e a sem flape, tornando o fluxo visível. Quem não viu procure ver. É lindo!

Agora que sabemos a grosso modo porque o avião voa, vamos esmiuçar melhor o que acontece entre a asa e o ar. Podemos iniciar retomando a nossa chapa plana colocada fora da janela do carro, inicialmente alinhada com o vento. É preciso segurar firme, pois dando-se um pequeno ângulo de modo a elevar seu bordo dianteiro, já iremos sentir uma forte força para cima. Vamos tentar explicar o que está ocorrendo.

Na parte de baixo há um pequeno acúmulo de moléculas, das partículas que vão sendo defletidas para baixo como bolas de tênis chocando-se com uma raquete inclinada (Ver figura). Este acúmulo é grande no bordo dianteiro diminuindo ao longo da chapa e desaparecendo no bordo traseiro. Mas o mais importante ocorre na parte de cima onde devido a inércia, as partículas levam algum tempo para serem desviadas para baixo por efeito dos choques moleculares das demais partículas, o que provoca uma redução no número de moléculas ainda mais forte que o acúmulo na parte de baixo. Temos, portanto um aumento de pressão na face inferior e uma redução de pressão ainda maior na face superior, especialmente no bordo dianteiro ou de ou bordo de "ataque".

Aumentando-se o ângulo, acentua-se ainda mais a diferença, a sucção superior chegando a ser mais do que o dobro do valor da pressão inferior! Isto aumenta a força resultante sobre a chapa, que obviamente devido ao seu ângulo, tem uma componente para trás, ou seja, uma força de arrasto, que também será tanto maior quanto maior este ângulo (olha aí o arrasto induzido fazendo o seu "debut"). Este arrasto, somado ao sempre presente arrasto de fricção, também aumentado devido ao aumento das velocidades tangenciais, aumenta o número de partículas arrastadas, que vão se acumulando na esteira do bordo posterior ou bordo de "fuga" da chapa.

Ao atingirmos um ângulo cujo valor dependendo da geometria em planta e do bordo da chapa, poderá ser de 12 a 20 graus, as partículas arrastadas, até então afetando apenas o bordo traseiro começam a invadir toda a superfície superior, o que para uma chapa plana, ocorre de modo súbito. O número de moléculas e a pressão na face superior voltam ao normal e desaparecendo a sucção, com ela perde-se 2/3 da força sobre a chapa, que agora resulta apenas das pressões na parte inferior.

Este é um fenômeno que todos nós pilotos, conhecemos e já vimos ocorrer com as asas de nossas aeronaves: é o famoso "estol e que ocorrendo a baixa altura nos poderá ser fatal". Os projetistas de aviões procuram, jogando com a forma em planta e dos perfis da asa, obter uma invasão lenta e gradual das partículas arrastadas, para que o piloto tenha tempo de reduzir o angulo da asa.

Para retardar o fenômeno, pode-se defletir a parte traseira inferior da asa com um flape do tipo "split", que irá concentrar sobre ele as partículas arrastadas. Pode-se ainda varre-las para trás usando passagens de ar ou fendas com um flape do tipo "sloted" ou proteger de modo semelhante, o bordo de ataque e seu pico de sucção com um "slot". Até mesmo os vórtices podem ser usados para esta função, como acontece nas asas deltas dos caças supersônicos ou de um Concorde, nas quais se atinge ângulos de ataque perto dos 30 graus, sem estol mas obviamente a custa de enormes valores de arrasto...induzido!

Acho que já deu para perceber que o arrasto induzido nada mais é, que a componente para trás daquela força resultante das pressões e sucções, que também criam a sustentação. Assim sendo, quanto maior for a sustentação, maiores serão o ângulo e o arrasto induzidos, e as velocidades para baixo e, portanto mais fortes serão os vórtices de ponta de asa que não criam o arrasto induzido, mas tem a mesma origem deste.

As partículas afetadas, e defletidas para baixo por uma asa (ver figura), se encontram dentro de um "tubo" ou cilindro, cujo diâmetro é definido pela envergadura (distancia de ponta a ponta da asa), e cujo volume é proporcional ao quadrado desta e se tivermos metade da envergadura, teremos quatro vezes menos partículas defletidas.

Vamos então comparar em vôo, dois aviões com o mesmo peso, voando na mesma velocidade, mas com asas de diferentes envergaduras. Para obter a mesma força de sustentação, o de asa mais curta (menor envergadura), defletindo um menor volume de ar, terá que gerar maiores velocidades verticais, o que para a mesma velocidade de vôo só se consegue com um ângulo de ataque adicional, (ângulo induzido) e, portanto um maior arrasto induzido. Capito?

   "AVIS", o modelo da perfeição.

E a curvatura da asa? Bem desde Da Vinci e Lilienthal, que já aprendemos com os pássaros, que um modo muito mais elegante de se defletir o ar para baixo é curvar-se a superfície da asa, o que equivale a dar-lhe um ângulo pagando-se um menor preço em termos de arrasto. Mas como nada é de graça, paga-se em termos de peso de estrutura, devido aos aumentos: da torção na asa, e da carga de equilíbrio na cauda.

Como este efeito aumenta com a velocidade, o ideal seria se ter como nos pássaros, a curvatura variável: pequena em alta velocidade, e grande em baixa velocidade, quando então é necessário se obter grandes deflexões do ar. Isto conseguimos por meio de flapes e slats, (e também com o objetivo de aumentar a área da asa), uma vez que a curvatura normal dos perfis de asa está geralmente limitada a 3 a 6% de sua "corda", ou largura da asa.

Já os pássaros além da curvatura variável têm também o enflechamento da asa variável, o que torna regulável a posição de seu centro de gravidade, facilitando a compensação dos efeitos das variações de curvatura. Como já vimos, eles tem tudo isto e muito mais, e se superamos os pássaros em velocidades e cargas transportadas ainda estamos como que engatinhando em matéria de eficiência, segurança, e controle de vôo.

Duvida? Então compare a eficiência estrutural de um esqueleto de pássaro com a de uma estrutura aeronáutica mesmo a mais moderna, feita em material composto de resina e fibras de carbono ou "kevlar". Compare as altas eficiências propulsivas de uma asa batente, que com pequenas velocidades induzidas, obtêm tanto a tração como a sustentação, com a de uma hélice ou a de um motor a jato. Finalmente, compare a maneabilidade permitida pela geometria variável em torção, enflechamento, diedro e envergadura da asa de uma simples fragata, e a pobreza de comandos dos aviões, com apenas três superfícies móveis (ailerons, profundor e leme). Nos três aspectos a comparação nos é indiscutivelmente desfavorável.

Isto para não falarmos das alulas, penas remígeas, "winglets" múltiplos e escamoteáveis, e outros controles ativos das asas, ou ainda controles passivos como os de tratamento acústico encontrados nas asas das corujas, etc. Alguém já ouviu falar de um de pássaro que tenha morrido porque "estolou" na aproximação pôr perda de controle em baixa velocidade ?

É, em muitos aspectos a nossa engenharia aeronáutica ainda está engatinhando, o que não é nenhum desdouro, se compararmos sua mera centena de anos de experiência, com os milhões de anos de tentativa e erro usados pela evolução, para chegar aos pássaros atuais. Parodiando o evangelho de Mateus VI, 26, podemos dizer: "Olhai as aves do céu, elas não calculam nem projetam, e nem mesmo com as mais sofisticadas máquinas, conseguimos voar como elas..."



Francisco Leme Galvão

  piloto privado e de planador 

engenheiro aeronáutico 

mestre em aerodinâmica pelo ITA

 Participou dos projetos dos aviões:

 Regente e T-25 na NEIVA 

 Brasília,T-27 e EMB 170 na EMBRAER 

e de satélites no INPE

 

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