E o vento levou...

     O Dr. Alphio Parpinelle foi acometido de amor a primeira vista quando viu pela primeira vez, cortando o céu do aeromodelismo de Birigui, como uma verdadeira garça branca, o Mu-3, um moto-planador que construí quando freqüentava o grupo Neptun em São Paulo. Ele voava tão lento e estável que pôr vezes podia coloca-lo a fazer curvas de pequena inclinação e me dirigir ao nosso sorveteiro de plantão para comprar um sorvete e depois voltar a saborea-los, o sorvete e o Mu-3 com seu vôo tranqüilo.

     Sem perda de tempo o Alphio contatou o nosso construtor de aeromodelos local para que construísse para ele uma ave como aquela.

     Fornecidas as plantas do projeto, em pouco tempo (para nós, e um século para o Alphio) o Washington construiu o Mu-3 versão Birigui que recebeu o prefixo Mu-B, e foi batizado de Ítalo em homenagem ao filho mais velho do Alphio.

     Uma vez pronta a aeronave foi marcada a data do vôo inaugural que seria no rancho dos pais do Alphio às margens da represa.

     Chegado o esperado dia, um belo domingo de sol e um suculento churrasco davam um ar festivo ao evento. Familiares presentes e mais uma turma de curiosos meio descrentes de que aquele aviãozinho (como dizem) fosse realmente voar. O Dr. Alphio estava impaciente, mal pode mastigar adequadamente o seu churrasco na expectativa de entrarmos logo no assunto que o interessava!

     Devido a minha experiência, (que não era lá, tão maior que a deles), fui nomeado para o posto de piloto de provas a fim de fazer o primeiro vôo. Confesso que senti uma ponta de orgulho quando as pessoas me olhavam curiosas, com um certo ar de admiração. Mas sinceramente lá no íntimo, sentia era uma pontada de medo de um fiasco na frente de tão seleto público, mesmo porque eu já sabia que a chamada "bruxa" poderia estar solta e sabedor de como ela adora eventos especiais e é chegada em um público, já comecei a pôr as minhas barbas, embora rala e fina, de molho!

     Finalmente chegou a hora, tudo (ou quase tudo) checado! Rádio transmitindo, receptor recebendo, e o motorzinho então! Tinha potência para levar uns três Mu-B para cima. O ventinho fraco estava bem alinhado; no céu bolinhas brancas bem definidas, acenavam térmicas ótimas. Até cheguei a pensar... a "bruxa" deve estar em férias!!! Crasso engano!

     Dadas as recomendações para o nosso amigo Washington: não lance para o alto! Nem para baixo! Não de um impulso muito forte para não cortar o combustível! E assim foi...

     Foi só o Washington soltar a fera para que o Mu-B saísse como um rojão sem vara corcoveando céu a dentro, parecendo mais uma muriçoca aloprada que uma aeronave.

     Dava comando para a esquerda, o Mu-B ia para a direita. Dava comando para a direita lá ia ele para não sei onde! Sem dúvidas a "bruxa " não só estava solta como também já mostrava a que veio e muito provavelmente estava a bordo do nosso Mu-B.

     Eu vi a viola em cacos!!!!!!!!

     Já suando muito raciocinei: emergência! Cortar Motor!... e tome comando!

     O motorzinho não só não cortou como também imprimiu uma marcha lenta de fazer inveja a umas andorinhas que faziam manobras nas proximidades.

     De repente o Mu-B entrou em vôo espiralado como se olhasse para um capinzeiro mais alto e lhe pedisse socorro, aí eu deixei que ele seguisse o seu caminho, mas a um metro e meio do chão, demonstrando talvez um pouco de fraqueza ou reconhecendo que havia exagerado na dose: a "bruxa" saltou fora e foi aí que todos os anjinhos de plantão sopraram um ventinho de frente fazendo com que a velocidade do Mu-3 diminuísse bruscamente e que ele batesse mais de leve com a ponta de uma asa no chão.

     Só arrancou o leme de direção que resolveu ficar em uma casa de cupins alguns metros atrás!

     Pouco! Muito pouco para o que lhe aguardava!

     Já na sombra do rancho, pôr entre os olhares de decepção e descrença é que fomos ver que o Washington havia instalado o leme de direção no Stik esquerdo e não no direito como eu estava acostumado!!! Bom... pelo menos já tínhamos uma justificativa mais visível e aceitável que a ação da "bruxa" para o acontecido. Só nos restava agora saborear uma suculenta canjica preparada com todo esmero pela mãe do Dr. Alphio.

     O próximo vôo, porque não dizer o próximo tombo! Se deu alguns dias depois. Aí já sem todo aquele aparato promocional, porque já não era mais o primeiro vôo, e também já se temia um novo fiasco. E foi dito e feito. Eu não estava presente mas me contaram que o escolhido para a pilotagem foi um colega sem prática com planadores, que apenas tinha pequena experiência em pilotagem de modelos a motor. Não sei bem como; mas deixou que o Mu-B colidisse com o solo logo de saída, quebrando-o por inteiro para desespero do nosso amigo Alphio, sem que este ganhasse pelo menos uns metrinhos de altura!

     Mas desistir não é palavra que o Alphio conhece. Passados alguns dias, lá estavam eles novamente, o Washington, o Alphio e novamente o Mu-B agora totalmente reconstruído!

     Mas desta vez tudo seria diferente... E como foi... Estavam presente na área do vôo vários colegas aeromodelistas e todos capazes de colocar o Mu-B a voar e passa-lo para as mãos do Alphio quando estivesse a uma altura segura.

     O piloto escolhido foi nosso amigo Luciano Rebeque. A tarde estava linda, algumas nuvens bem definidas pelo céu prometiam ascendentes das melhores! Tudo parecia estar perfeito.

     Motorzinho atacado, rádio checado, o Luciano, o novo piloto de provas escolhido, segurava o rádio controle com a tranqüilidade de um veterano! O Mu-B em posição, a corridinha, o lançamento e pronto... estava voando! E como voava... firme, estável e decidido a ganhar altura. Seu nariz vermelho apontado para cima parecia ter sede de ar puro!

     Assim que o Mu-B ganhou uma altura segura o Luciano passou o rádio controle para as mãos do Dr. Alphio que esperava ansioso por este momento. O Mu -B então foi voando e ganhando altura ao mesmo tempo que se dirigia para a vertical de uma bela nuvem que já estava sendo namorada por um bando de urubus que circulavam em sua sombra.

     O Alphio se deliciava! Tudo estava muito bonito e divertido até que percebesse que seu belo pássaro já voava por conta própria e que não atendia mais aos apelos feitos por seu dono, quase destruindo os "suados" Stiks do seu rádio-controle!!!!

     O Mu-B estava determinado. Ia em direção àquela nuvem como se já a conhecesse!

     Parecia vingar-se daqueles que não o haviam deixado voar por tanto tempo!

     E assim foi ganhando altura, e juntando-se aos urubus até desaparecer na névoa branca, deixando todos, e principalmente o Alphio; pasmo pelo que acabara de vivenciar. Lá no íntimo ele pensava... mas será o Benedito?!!!!!!!!!!

     "E o vento levou" foi o que, literalmente, aconteceu com o Mu-B do Alphio.

     Passado alguns meses ele foi encontrado em uma fazenda distante, satisfeito por ter voado tanto e para onde quis. Mas... embora tenha feito um pouso digno de um puro sangue, recebeu seu castigo por ter fugido! Para tristeza maior do nosso amigo Alphio, ele foi pisado por um bezerro bem no meio da fuselagem.

     É mole!!!!!!!!!

Chico Figueira

 

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